O tato se torna o principal sentido sensorial durante o percurso. Eu sinto a trilha quando estou na bicicleta, o mar quando surfo, a bola vindo em minha direção no futebol. Não sei explicar como. É um dom".
É assim que Miguel Almeida Flávio, de 15 anos, define a sensação de viver. Ele é o único monitor deficiente visual do Brasil, e seu trabalho é guiar turistas para uma viagem sensorial, em meio à Mata Atlântica, sejam eles deficientes ou não. Um programa de capacitação da Prefeitura de Guarujá, no Litoral paulista cuidou do treinamento de Miguel.
A resposta desse ineditismo está na inclusão, tanto de Miguel, como de turistas que apresentem deficiências sensoriais, mas também atinge outros turistas que queiram viver uma experiência diferente: sentir a natureza e captar sons e sensações táteis.
Miguel é praticamente cego desde os primeiros meses de vida. Hoje tem apenas 5% da visão esquerda e 10% da direita. Ele mora na comunidade da Prainha Branca, próxima à trilha.
No acesso à trilha, Perto do Rio Bertioga, tem uma escada de 500 metros. A trilha em si tem 25 metros, onde há uma corda com nós, que serve de orientação. Cada nó é uma parada, onde Miguel descreve o local; é um ponto de observação, onde ele explica o que existe ali. Por exemplo, o solo tem uma camada orgânica, onde os turistas são convidados a tocar o solo, sentir o cheiro da terra.
Neste local, ele explica a composição das folhas que se transformam em sementes e matérias orgânicas. A lição desse trecho é de que a natureza não morre, mas é transformada em novas sementes e árvores, onde a vida nasce de novo.
No próximo nó, algumas pedras e folhas de tipos diferentes, onde fica uma toca de tatu. E mais uma vez, as pessoas podem tocar nas pedras, folhagens e até dentro da toca.
Os turistas são recebidos por Miguel e pela mãe dele. As turmas são de até cinco pessoas e o dinheiro arrecadado é do Miguel - a prefeitura não fica com nada.
Foi em 2009 que a Prefeitura de Guarujá ofereceu o curso de monitor local a 25 moradores da Prainha Branca e Serra do Guararu. Miguel, que na época tinha 12 anos e 40% da visão (hoje tem apenas 5%), optou por fazer parte da turma durante 2 meses.
O curso contou com a parceria das Forças Armadas, Governo do Estado, ONGs, Sebrae e agências de ecoturismo. A ideia foi garantir a qualificação dos moradores, geração de renda e preservação ecológica e do patrimônio cultural e ambiental.
Os potenciais turísticos, como trilhas na mata, a restauração da Ermida do Guaibê (patrimônio cultural e religioso onde o padre jesuíta José de Anchieta celebrou missas), as belezas naturais da Prainha Branca, são os grandes atrativos da Serra do Guararu, região conhecida como Rabo do Dragão, em referência ao mapa do Guarujá, semelhante a um dragão.
A ideia do curso partiu dos próprios moradores, entre eles a mãe de Miguel, Claudenice Oliveira Almeida Flavio, que também é monitora de trilhas.
Ela conta que ficou emocionada ao representar o grupo e com a formatura do filho: "Hoje é difícil ter uma oportunidade se você tem uma deficiência. Para Miguel, a parte mais importante do passeio foi poder dar informações sobre a natureza para as pessoas."
"É legal contar as histórias daqui e ensinar como se deve preservar a natureza", disse o jovem guia.
Serviço:
Trilha na Mata Atlântica
Local: Guarujá/ litoral sul de São Paulo
Segunda a sexta: das 14 às 17h - (às terças Miguel não trabalha)
Sábados e domingos: das 8h às 17h.
Horários tem que ser agendados: (13) 3305-6119 com Claudenice, mãe do Miguel.
Fonte: Turismo Adaptado